terça-feira, 18 de maio de 2021

NOTA DO MOVIMENTO ALEXANDRE (V)IVO SOBRE A MUDANÇA DE NOME DO CC-LGBT DE NITERÓI

 

PLACA

O Centro de Referência de Cidadania LGBT da Região Leste Fluminense, o CC-LGBT, sediado em Niterói, foi criado em 2012, no âmbito do Programa Estadual Rio Sem Homofobia, homenageando, à época, Alexandre Ivo, em placa inaugural e em um painel com diversas fotos do Alexandre, similar no auditório da unidade sediada na capital do Rio de Janeiro

PAINEL

É com pesar que relembramos que Alexandre Ivo (Alê) foi morto pela homofobia assassina no dia 21 de junho de 2010, caso que ganhou repercussão internacional, por ser um menino de 14 anos, covarde e cruelmente assassinado na cidade de São Gonçalo, vizinha de Niterói, periferia do Rio de Janeiro.

Durante esses quase 11 anos do seu assassinato e quase 9 como patrono – que dá nome - do CC-LGBT de Niterói, justo no dia 17 de maio de 2021, dia mundial de enfrentamento a LGBTIfobia, fomos surpreendidos da mudança de nome do referido Centro, agora chama-se CC-LGBT Paulo Gustavo. Vimos tal atitude de quem hierarquiza as mortes e as pessoas, preterindo um, em lugar de outro. Numa demonstração autoritária, típica do momento atual, sem diálogo com os familiares, os movimentos sociais LGBTI+, e, em particular, com o Movimento Alexandre (V)Ivo. Nega-se uma história de luta, uma representação digna de um conjunto de sujeitos e sujeitas LGBTI+ e suas ações de militância, que fazem referência à uma época, à uma memória, à uma multidão que lutavam pela criminalização da homo-transfobia.



É bom relembrar novamente, que, em 2011, o PLC 122, que tinha como teor a criminalização da LGBTIfobia, a Senadora Marta Suplicy e relatora, na época, em pedido aos familiares de Alexandre, queria batizar o referido projeto de lei de Alexandre Ivo, como a lei Maria da Penha, no sentido de “desdemonizar” o referido projeto. Isso não foi adiante, nem mesmo o próprio PLC. De igual modo, mas com outro conteúdo e proposta política, o então Deputado Federal Jean Wyllys apresentou um PL, sobre identidade de gênero, com o nome de João W. Nery, na época esse morador de Niterói, primeiro homem trans no Brasil e ativista, ainda era vivo.

Para nós, familiares e amigos de Alexandre Ivo, assim como o Mães pela Diversidade, que Angélica Ivo integra também, e que também publicou Nota, não estamos em nenhum momento desmerecendo a homenagem ao ator Paulo Gustavo, pela sua importância à cultura brasileira, morto pela COVID-19. Ela é justa e legítima, mas não apagando, silenciando e invisibilizando outra, que expressou a luta de tantas e tantos contra a LGBTIfobia nas cidades da região leste fluminense, da capital e do estado do Rio de Janeiro, tendo repercussões nacional e internacional.

Lamentamos muito por tudo isso, nos entristecemos e nos indignamos com o desrespeito e a memória do Alexandre, mas de muitas e muitos que fizeram essa luta coletiva contra a LGBTIfobia, como familiares, amigos e ativistas de um espectro mais amplo do movimento social LGBTI, combativo, mas sem ser colaboracionista com os setores conservadores que ocupam os poderes públicos desse país.

Apesar de suprimirem e apagarem um nome, uma história, uma memória, um legado coletivo de luta, que ainda é atual, a luta contra a LGBTIfobia é de todas, todes e todos, que constroem cotidianamente a luta também pela democracia e resistem com alianças dignas para defender a vida, pois cada corpo e corpa assassinado pela LGBTIfobia será por nós lembrados, nunca esquecidos, como tantas que foram pela vil tortura da ditadura civil-militar e que segue, de forma genocida, nas periferias, favelas, nos campos, nas aldeias, nos quilombos etc.

Movimento Alexandre (V)Ivo

São Gonçalo, 18 de maio de 2021.



sexta-feira, 26 de agosto de 2016

(R)EXISTÊNCIA: Sobre a retirada da candidatura no PSOL


CARTA DO MOVIMENTO ALEXANDRE (V)IVO SOBRE A RETIRADA DA CANDIDATURA DE JORGE SANTANA PELO PSOL – SÃO GONÇALO-RJ

Cabe esclarecer que o Movimento Alexandre (V)IVO não se restringe e nunca se restringiu à dor e ao luto dos familiares e amigos. Nossa luta, enquanto movimento, feito por muitos e muitas, LGBT ou não, emergiu em decorrência do assassinato de Alexandre Ivo, ocorrido em 21 de junho de 2010 - isto é fato, mas SOMOS TOD@S ALEXANDRE IVO, signo da luta contra a HOMOFOBIA, nesses 6 anos de sua MORTE, seja em São Gonçalo, Niterói, Rio de Janeiro, e tantas cidades pelo Brasil e mundo afora quando a LGBTfobia aparece, quando a VIOLÊNCIA aparece, quando a INJUSTIÇA aparece, quando um de nós LGBT é ASSASSINADO/A.


Para nós, não houve retratação e nunca terá. Primeiro, pelo problema ético-político da OMISSÃO e SILENCIAMENTO do até então candidato aos familiares, mas, principalmente, as/aos companheiras/os de partido, como somos, pois são todos e todas militantes em diversos setores da vida social, antirracistas, antiproibicionistas, antimanicomiais, abolicionistas, em defesa da saúde e educação públicas, democratização das comunicações, de bairro, pela moradia, LGBT, feministas, estudantis, sindicalismo, professor@s etc e muit@s dess@s integrant@s do Núcleo Dandara, haja vista o rol de assinaturas em documento enviado recentemente à executiva estadual do PSOL por conta de um outro problema ético-político provocado pelo candidato a prefeito da cidade pelo partido. Ninguém faz nada sozinho, nenhuma militância é solitária e isolada, ela é feita de forma coletiva dentro e fora do partido, entre muitos. Todos e todas têm o seu valor e importância militante.


Segundo, pelo depoimento como TESTEMUNHA DE DEFESA e não de CARÁTER, como queiram justificar, quando afirmou em juízo estar com um dos assassinos em um bar no bairro do Mutuá horas depois do jogo do Brasil e horas antes do assassinato de Alexandre Ivo. Isso confere com o conteúdo do documento por nós cedido a público, extraído do processo criminal, que se encontra novamente aberto pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Bom ressaltar que os ditos assassinos continuam réus, o processo não foi arquivado e a qualquer momento a Justiça retomará o caso, em uma nova Vara e com um novo juiz ou juíza. Isso se deve ao IMPRONUNCIAMENTO da Juíza da 4ª Vara Criminal, que assim como as diligências em sua totalidade não foram cumpridas, o parecer da mesma apresenta falhas e equívocos. Sempre a velha questão da interpretação dos fatos, o que foi questionado pela família que entrou com recurso contra o Estado, além do próprio sistema de Justiça ser LGBTfóbico estruturalmente.


Não somos hipócritas nem oportunistas em tempos eleitorais, e em nenhum momento fomos procurados para uma conversa por parte do até então candidato e sua organização, nesses seus 3 anos de filiação e cabe ressaltar que hoje em dia o que não faltam são canais de comunicação. Reafirmamos mais uma vez que o Movimento Alexandre (V)IVO, em outra CARTA divulgada, apelou pela retirada da candidatura em nome da ÉTICA, sem inquisição, moralismo, punição e criminalização, mas pelos valores que nos unem em prol da construção de uma nova sociabilidade coerente, honesta e solidária, dentro e fora do partido, na perspectiva da emancipação humana que todos e todas têm apostado para um mundo melhor, sem dominação, exploração, discriminação e hierarquização de opressões e oprimidos. Por conta disso, nos damos por minimamente satisfeitos pela retirada da candidatura, apesar de uma justificativa apelativa e vitimista em torno de problemas emocionais do até então candidato e de sua família, sem levar em consideração, a empatia e a alteridade, desses 6 anos de (r)existência-sofrimento dos familiares e amigos de Alexandre Ivo.


Ninguém vai trazer o Alexandre Ivo de volta, mas ele estará em nós todas as vezes que a luta contra a homofobia e a injustiça se fizerem presentes. Por conta disso, não autorizamos mais nenhum uso oportunista ou eleitoreiro do seu nome e imagem, pois para nós, militantes, quem defende assassino ou defendeu o indefensável é contra nossa luta e a favor da IMPUNIDADE e desse sistema de (in)justiça.


Pela vida e pela paz!
Torturas e assassinatos por LGBTfobia, por racismo, por machismo, por cisheteroseximo e por pobreza, NUNCA MAIS!



São Gonçalo, 26 de agosto de 2016.


Movimento Alexandre (V)IVO

(composto pela mãe, irmã, pai, primos, primas, avós, tios, tias, amigos e amigas, vizinhos e vizinhas, professores, sindicalistas, feministas, capoeiristas, antirracistas, LGBT, antimanicomiais, antiproibicionistas, abolicionistas penais, militantes estudantis, de bairro, por moradia, por saúde, em defesa do SUS, pela defesa da educação pública, por democratização das comunicações, por justiça, contra a criminalização dos movimentos sociais, contra o genocídio da juventude negra, contra a intolerância religiosa, por direitos humanos e cidadania, muitos desses ainda filiados ao PSOL, mas alguns desses se desfiliarão em breve ou mesmo já se desfiliaram em decorrência do fato e principalmente pelo silêncio nas instâncias partidárias e pelos parlamentares, em sua grande maioria)

terça-feira, 16 de agosto de 2016

O CASO ALEXANDRE IVO E O PSOL: Armadilhas e Rupturas

Alexandre Ivo

HÁ pouco mais de seis anos, em 21 de junho de 2010, o estudante Alexandre Thomé Ivo Rajão, 14 anos, foi encontrado morto em um terreno baldio no bairro Califórnia, em São Gonçalo. Alexandre foi sequestrado e torturado, teve o seu rosto desfigurado e foi enforcado com a sua própria camiseta. Esse crime bárbaro teve grande repercussão nacional e internacional, tendo virado tema de documentário dirigido pelo ator inglês Stephan Fry.
Corpo do Alexandre Ivo e agentes públicos - terreno baldio - bairro Califórnia (perto do bairro Mutuá) - São Gonçalo-RJ

O assassinato de Alexandre Ivo é lembrado até os dias de hoje e se tornou uma referência da luta contra a homofobia no Brasil. Infelizmente, diversos erros de perícia, conforme ficou constatado, e o assassinato da juíza que investigava com afinco o crime, Patrícia Acioli, em agosto de 2011, resultaram na impronúncia pela nova juíza e o MP-RJ, por falta de provas. Não houve julgamento, portanto, e os três acusados, moradores do Mutuá, continuam soltos - mas, é importante que se registre: como réus do assassinato.

Cartaz e velas em frente ao Fórum de São Gonçalo - Vigília na oitiva

A repercussão do crime fez com que o nome Alexandre Ivo batizasse o PLC 122/2006, que visava à criminalização da homofobia no país. Mas, mesmo com uma estatística alarmante de um caso de assassinato por LGBTfobia a cada 27 horas [os dados de 2015 apontam que, entre os mortos, são 52% gays, 37% travestis, 16% lésbicas, 10% bissexuais, 7% de heterossexuais confundidos com gays e 1% de amantes de travestis], em dezembro de 2014 o projeto foi arquivado pelo Senado Federal.

O PSOL - PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE teve um papel atuante no acompanhamento do caso Alexandre Ivo, em todos os Atos Públicos puxados pelo Movimento Alexandre (V)IVO:
. Em 2010, no auditório da FFP/UERJ em São Gonçalo, com cobertura jornalística, além da participação de lideranças dos movimentos sociais locais, estaduais e nacionais, estiveram presentes os até então candidatos a Deputado Federal, Jean Wyllys e Paulo Eduardo Gomes, e a Deputado Estadual, Janira Rocha e Marcelo Freixo. Este último, como deputado, colocou à disposição a Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, em que era presidente, bem como o contato com o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do RJ.

Platéia no Auditório da FFP - UERJ - São Gonçalo: Candidatos a Deputado Federal Paulo Eduardo Gomes e Jean Wyllys e a Deputado Estadual Marcelo Freixo com Angélica Ivo

. Em setembro de 2010, por ocasião das festividades cívicas de emancipação da cidade, outro Ato ocorreu na Praça Zé Garoto, com participação de lideranças dos movimentos sociais e dos candidatos acima, dentre outros, por ser um ano eleitoral. O Movimento Alexandre (V)IVO constituiu-se em uma ala durante o desfile escolar.

Ala no Desfile Cívico-Escolar em São Gonçalo

. No grande Ato Público com manifestações culturais, intervenções políticas e vigília organizado pelo Movimento Alexandre (V)IVO em frente ao Fórum da cidade, em dezembro de 2010, com apoio da Comissão Estadual de Direitos Humanos de LGBT do RJ e do Programa Estadual Rio Sem Homofobia, por ocasião da Oitiva, dirigida pela Juíza Patrícia Acioli, no plenário da 4ª Vara Criminal, em que se encontravam os três assassinos e suas testemunhas, conseguimos lotar o plenário para a sessão, com cobertura jornalística e a presença dos movimentos sociais, coletivos e entidades locais, estaduais e nacionais, bem como dos deputados eleitos Jean Wyllys, Janira Rocha e Marcelo Freixo, além do vereador de Niterói e presidente da Comissão de Direitos Humanos, Renatinho, bem como de representantes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Ouvidoria da mesma, representantes de deputados estaduais, federais e senadores comprometidos com os Direitos Humanos, o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, a Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, dentre outros.

 Deputada Estadual eleita Janira Rocha no Ato em frente ao Fórum de São Gonçalo

Deputado Federal eleito Jean Wyllys no Ato em frente ao Fórum de São Gonçalo

Deve se destacar também que Marco José Duarte, primo de Alexandre, já era filiado ao partido e membro do setorial LGBT do PSOL-RJ e sempre foi militante histórico reconhecido pelos Direitos LGBT. Angélica e Paula Ivo, mãe e irmã de Alexandre, também se filiaram ao partido, em reconhecimento ao seu comprometimento com a luta por Justiça no caso, assim como pela defesa da pauta LGBT. Tanto que em 2012, por ocasião das eleições municipais, as candidaturas do Marco e da Angélica, representantes do Movimento Alexandre (V)IVO, tendo como uma de suas bandeiras centrais a defesa dos Direitos LGBT, organizaram um grande debate no auditório da OAB-São Gonçalo com a presença do Deputado Federal Jean Wyllys, por ocasião de aniversário de morte, respectivamente, dos 2 anos de Alexandre e 1 ano da Juíza Patrícia Acioli. O evento contou com a participação dos coletivos, entidades, movimentos sociais, outros candidatos a vereadores, e muitos estudantes e professores de escolas públicas.

Ato na OAB-São Gonçalo: Angélica Ivo, Presidente da OAB, Deputado Federal Jean Wyllys e o criminalista da OAB

Em 2012, a campanha da candidatura do Marco não se limitou a São Gonçalo. De forma articulada à campanha da candidatura de Nicole Blass pelo PSOL de Niterói, ambos representando a população LGBT no cenário político, se fizeram presentes na Cantareira, lugar de lazer da comunidade LGBT, principalmente às quintas-feiras. O Movimento Alexandre (V)IVO foi convidado pela candidata a um evento de sua campanha em um bar por ela administrado, com a presença do Deputado Federal Jean Wyllys, o primeiro trans-homem do Brasil, João Nery e o candidato a prefeito pelo PSOL de Niterói, Flavio Serafini, onde Angélica pode, juntamente com o Marco, falar do caso do assassinato de Alexandre Ivo.


 Angélica Ivo falando sobre o caso Alexandre Ivo - na mesa Deputado Federal Jean Wyllys e João Nery

 Marco Duarte falando sobre o caso Alexandre Ivo
Candidatos à verador@ pelo PSOL: Nicole Blass (Niterói) e Marco Duarte (Niterói)

Cabe destacar que desde 2010, portanto, o nome de Alexandre Ivo é lembrado nas Paradas do Orgulho LGBT, não só em São Gonçalo, mas em Niterói, Rio de Janeiro e tantas outras pelo Brasil. Ademais, há duas galerias de fotos sobre Alexandre Ivo, tanto no auditório da SEASDH-RJ, onde se localizava o Programa Estadual Rio Sem Homofobia (No 7º andar da Central do Brasil) e o Centro de Cidadania LGBT da capital, como no referido centro em Niterói, que atendia a região da grande Niterói (próximo ao bairro do Ingá, em uma antiga unidade da Fundação Leão XIII), contemplando São Gonçalo, inclusive com o nome do centro em homenagem a Alexandre Ivo.
Galeria de fotos de Alexandre Ivo

Recentemente uma rua no bairro do Laranjal, em São Gonçalo, recebeu o nome de Alexandre Ivo, pela Prefeitura da cidade, como reconhecimento do seu assassinato pela homofobia, e pode-se afirmar que o caso de Alexandre Ivo é sempre lembrado como símbolo de luta contra a LGBTfobia, em peças teatrais diversas, documentários, cena de novela televisiva, debates em TV, universidades, entidades, redes, coletivos e movimentos e em campanhas contra a homofobia, como a promovida pela ABGLT na II Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT.

 Angélica Ivo na Rua que leva o nome de Alexandre Ivo no bairro de Laranjal

Movimento Alexandre (V)Ivo em um carro em homenagem a Alexandre Ivo em uma Parada do Orgulho LGBT 

A história de Alexandre Ivo nunca poderá ser esquecida por aquelxs que lutam por uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna. Entendemos que o seu martírio não foi em vão, pois simboliza não somente a luta de todos os movimentos sociais anti-homofobia organizados no país, como também a luta de todos que desejam uma sociedade sem qualquer tipo de violência, opressão, dominação, exploração e desigualdades entre os sujeitos e seus gêneros, sexualidades, raças-etnias etc.

Enterro de Alexandre Ivo no Cemitério de São Gonçalo
(reprodução do Jornal O São Gonçalo que publiciza também os suspeitos do crime)

Movimento Alexandre (V)Ivo presente em mesa no Seminário Nacional LGBT da Câmara dos Deputados
 (Campanha do Casamento Civil Igualitário)

Mas não estamos rememorando esse crime hediondo somente para continuar exigindo Justiça ou pela passagem dos seus seis anos sem julgamento. Esta CARTA é motivada pelo fato de ter chegado ao nosso conhecimento recentemente a informação de que Jorge Santana, candidato a vereador pelo PSOL de São Gonçalo, terra onde nasceu e foi morto Alexandre, participou como testemunha de defesa de um dos acusados pelo assassinato.
Jorge Santana não era filiado ao PSOL em 2010/2011. Nessa época, graduava-se em História pela FFP/UERJ, onde entrou em 2007. Perguntado hoje a respeito desse fato, afirma que testemunhou apenas porque os acusados, seus amigos de infância, não eram skinheads (que era uma das acusações aos suspeitos). Questionado, Jorge reitera não compactuar com qualquer tipo de preconceito e de violência, mas que acredita que os seus amigos são de fato inocentes (não sabemos das razões que o levam a fazer tal afirmação pois, como exposto acima, uma série de situações adversas ao processo gerou a impronúncia, fato que pode ser revertido a qualquer momento, colocando novamente os acusados no Tribunal para exercerem seus direitos de defesa). Afirma não ser homofóbico, sob qualquer hipótese, e que na época do crime não tinha muito conhecimento sobre a discussão LGBT.

Movimento Alexandre (V)Ivo na Marcha Nacional contra a Homofobia e pela Aprovação do PLC 122/06.

Nós, militantes do Movimento Alexandre (V)IVO, ficamos extremamente surpresos, constrangidos e decepcionados com a informação da participação do Jorge Santana nesse processo. Nos perguntamos, durante esses últimos dias: por que Jorge, apesar das inúmeras oportunidades que teve para fazer isso, tanto no partido como junto aos familiares do Alexandre, nunca teceu comentários com ninguém, com qualquer militante que seja, sobre sua participação nesse triste acontecimento, apesar de ter procurado depois e se filiado a um partido como o PSOL, para o qual as bandeiras de luta LGBT sempre foram tão caras? MAIS: por que Jorge Santana postulou sua candidatura a vereador pelo PSOL, mesmo sob o risco de ter a sua postura nesse episódio, caso viesse à tona, devida e duramente questionada, como nos sentimos na obrigação de fazer neste momento? Por que, hoje questionado, não abre mão da sua candidatura a vereador, para se estabelecer um tempo necessário para se dirimir quaisquer dúvidas a respeito da sua participação nesse processo? Será que essa candidatura se trata de um projeto pessoal? Se não, será que aqueles que a defendem se sentem contemplados com as falas do Jorge sobre a sua participação no referido processo e pensam que essas explicações seriam suficientes? Portanto, não se importam com o partido como um todo e com o movimento LGBT e as questões que se colocam acerca do assassinato do Alexandre?

Movimento Alexandre (V)Ivo em frente a Igreja Matriz de São Gonçalo

O nome Alexandre Ivo se tornou uma referência para todxs xs militantes e simpatizantes da luta por direitos LGBT. Sua morte é sempre recordada pelos parlamentares do PSOL, mesmo aquelxs que não acompanharam de perto o processo. A candidatura do Marco, em 2012, pelo PSOL da cidade, expressou organicamente essa luta e bandeira, por estarem à frente, ele e Angélica, como a Paula, no Movimento Alexandre (V)IVO. Diversxs participantes e membros da sua coordenação de campanha, de quatro anos atrás, sem ter ciência do que aconteceu, já vinham se envolvendo e se dispondo a votar e a integrar a campanha eleitoral do Jorge. 

Cenas de uma novela da Rede Globo que retrata o caso Alexandre Ivo

Diante de todas essas questões; por até agora estarmos filiados ao PSOL como um partido político de esquerda, libertário e socialista, principal trincheira de luta das pautas LGBT - um partido cada vez mais necessário nesta conjuntura regressiva em que vivemos -; pela reafirmação de que a luta requer a reafirmação constante de uma postura ético-política e de caráter; pelo respeito à memória de Alexandre, aos seus familiares e amigos, e aos militantes políticos envolvidos; por acreditarmos na construção de um mundo igualitário, sem LGBTfobia e todas as demais formas de opressão, dominação e de desigualdades, elaboramos um documento a todos os envolvidos nesse processo, com foco nos membros do partido, onde exigíamos publicamente que o candidato Jorge Santana fizesse a devida autocrítica, pelo erro (pois temos conhecimento de que era um militante do movimento estudantil da FFP-UERJ, portanto, independente da sua relação com os supostos assassinos, deveria apurar sobre o caso Alexandre Ivo, que teve com palco de um de seus Atos Públicos a própria universidade) e as graves omissões pessoais, políticas e de caráter ético, junto aos companheiros de militância partidária, retirando a sua candidatura a vereador pelo PSOL de São Gonçalo nestas eleições municipais de 2016.

Um dos cartazes do movimento LGBT em memória a Alexandre Ivo

Para nossa surpresa fomos SUMARIAMENTE IGNORADOS, não tivemos nenhum tipo de resposta, nem dos parlamentares envolvidos, nem do conjunto dos membros filiados. Neste sentido, viemos a público denunciar que a retórica eleitoreira não nos engana. Reafirmamos nossa luta, enquanto Movimento Alexandre (V)IVO, pela defesa da vida e por tortura nunca mais, construindo nossas ações em princípios éticos e morais que nos distanciam dos sepulcros caiados, com aparência de novos, pois reforçam projetos burocráticos e eleitoreiros. Em nosso projeto societário não cabe a falta de respeito, não cabe a falta de solidariedade, não cabe a indiferença, não cabe a omissão, não cabe o oportunismo, não cabem mesmo...nele cabem a ética, o coletivo, a verdade.

Campanha da ABGLT em memória de Alexandre Ivo: 
Somos todos Alexandre Ivo - pela criminalização da homofobia
II Conferência Nacional LGBT

Agradecemos a todxs que estão conosco desde 2010 na construção de um mundo possível sem LGBTfobia, sem racismo, sem machismo, sem hetero-cis-sexismo, sem medo de ser diferente!
Vereador do PSOL Niterói Henrique Vieira presta homenagem (?) a Alexandre Ivo

Saudações 
Movimento Alexandre (V)IVO
Angélica Ivo - mãe
Paula Ivo - irmã

Marco José Duarte - primo
e tantas e tantos outr@s

sexta-feira, 29 de julho de 2016

No ano de 6 anos de seu assassinato, Alexandre (V)Ivo recebe nome de rua na cidade.


Angélica Ivo foi até a rua que receberá o nome de Menino Alexandre Thomé Ivo Rajão no Laranjal
Angélica Ivo foi até a rua que receberá o nome de Menino Alexandre Thomé Ivo Rajão no Laranjal

Foto: Alex Ramos

ADOLESCENTE MORTO EM SÃO GONÇALO VIRA NOME DE RUA NO BAIRRO DO LARANJAL

Depois de ver o filho Alexandre Thomé Ivo Rajão virar um símbolo da luta contra a homofobia no estado, a mãe do jovem, assassinado há seis anos em São Gonçalo por um grupo de homofóbicos, viveu ontem, um momento de emoção, que tenta minimizar a grande dor que viveu com a perda de seu filho, na época com 14 anos.
Angélica Ivo visitou, com a equipe de reportagem de O SÃO GONÇALO, a rua que ganhará o nome de seu filho no Laranjal. O projeto de lei 213/2015, do vereador Jorge Mariola, foi sancionado e publicado em Diário Oficial ontem, que dispõe sobre a mudança de nome da via. A Rua Três passa ser chamada de Rua Menino Alexandre Thomé Ivo Rajão.
Angélica disse, há algum tempo, que teve ciência da possibilidade de receber essa homenagem, mas foi pega de surpresa com a decisão publicada em Diário Oficial. “Não tenho vaidades em relação a isto. Mas, pela memória dele, eu fico feliz com a homenagem. De certa forma, podemos levantar questionamentos de tudo o que aconteceu com ele. Há seis anos, eu não tinha conhecimento do que era a homofobia e a complexidade deste tema. Queríamos mais que um nome de rua e ficamos na expectativa de que o poder público municipal trabalhe mais as carências dos jovens no município. Me foi dado, pelo menos, um nome de uma rua para me lembrar da história do meu filho e o que estamos pedindo está chegando de alguma forma”, disse.
Recordando – Alexandre Ivo foi morto no dia 21 de junho de 2010. O jovem foi torturado até a morte por três homens, acusados de pertencerem a um grupo de skinhead, que pregava o ódio em São Gonçalo.

Extraído do Jornal O São Gonçalo:
http://www.osaogoncalo.com.br/GERAL/16982/ADOLESCENTE-MORTO-EM-S_-GONCALO-VIRA-NOME-DE-RUA-NO-BAIRRO-LARANJAL


terça-feira, 21 de junho de 2016

6 anos de luto (2010-2016) contra a homofobia!


Em 21 de junho de 2010 o jovem Alexandre Ivo, de 14 anos, foi torturado até a morte por um grupo de homofóbicos em São Gonçalo após sair de uma festa na casa de amigos. Seu corpo dilacerado foi abandonado em um terreno baldio.

Só nesse ano de 2016 já foram registrados ao menos 139 assassinatos de LGBTs no Brasil, segundo o Grupo Gay da Bahia, e 1967 desde 2010, a imensa maioria com sinais de tortura e requintes de crueldade. Mil novecentos e sessenta e sete Alexandres Ivos.

Esses números demonstram a importância de incluirmos no ambiente escolar o debate sobre a diversidade e o respeito às diferenças, uma lógica de inclusão e tolerância em detrimento da exclusão e do ódio. Esse é um debate que, antes de tudo, salva vidas.

Alexandre Ivo, presente!

(Originalmente postado pelo Vereador do PSOL de Niterói, Professor e Pastor Henrique Vieira)

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Parada LGBT de São Gonçalo homenageia ALEXANDRE (V)IVO!


Em 12 anos de Parada LGBT em São Gonçalo, nomes como Jane Di Castro, Valeska, Jean Wyllys, Priscila Pires, David Brazil, Ângela Bismarcki, Solange Gomes e Mylla Ribeiro já passaram por ela.


Este ano, no dia 13 de setembro de 2015, com concentração a partir das 15 horas, no Zé Garoto, a organização da 12ª Parada da Liberdade LGBT convidou o ator Rainer Cadete para padrinho e para uma homenagem, em reconhecimento à sua representação como o Visky, de " Verdades Secretas", na TV Globo. 



No entanto, além dele, a organização da Parada LGBT homenageará a diva Jane Di Castro, pelo conjunto de sua obra e, particularmente, pela sua militância.





Nesse universo de homenagens, a contestação por sua luta por JUSTIÇA e contra a IMPUNIDADE, representante do Movimento Alexandre (V)IVO, ANGÉLICA IVO, a mãe que perdeu o seu filho, ALEXANDRE (V)IVO, vítima da homofobia assassina, em junho de 2010 e que transformou o seu drama pessoal em luta por justiça e pela criminalização da homofobia, também será homenageada.




Todas essas pessoas receberão o Prêmio Liberdade de Direitos Humanos durante durante a concentração da Parada LGBT de São Gonçalo.


Compareça e seja mais um nessa luta coletiva que se expressa na Parada LGBT da nossa cidade.


Saudações

Angélica Ivo
Movimento Alexandre (V)IVO!

domingo, 21 de junho de 2015

5 ANOS Sem ALEXANDRE (V)IVO! 5 ANOS de IMPUNIDADE

ALEXANDRE IVO (21-06-2010)
DOMINGO, 21 DE JUNHO DE 2015. Há exatos cinco anos, Alexandre Ivo, 14 anos, aluno do 9º ano do ensino fundamental, era brutalmente assassinado em São Gonçalo, município da região metropolitana do Rio de Janeiro. Os principais suspeitos e acusados pelo crime, Alan Siqueira Freitas, Eric Boa Hora Bedruim e André Luiz Cruz Souza, até hoje não foram julgados e respondem em liberdade.
Era dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo que ocorria na África e Alexandre tinha ido a uma festa onde houve uma briga. Embora o jovem não tivesse ligação com a confusão, seus amigos, dois deles gays, foram agredidos pelos acusados. Solidário, Alexandre acompanhou os amigos ao pronto-socorro. Quando esperava pelo ônibus para voltar para casa, foi sequestrado, depois espancado, torturado e assassinado por estrangulamento, como viria a indicar o laudo do Instituto Médico Legal (IML). Seu corpo foi encontrado um dia depois, em um terreno baldio, com o crânio esfacelado, provavelmente por pedradas.
Pelas circunstâncias do crime, Alexandre teria sido mais uma vítima da violência homofóbica, ódio ainda sem lei, que mata centenas de brasileiros e brasileiras por ano pelo simples fato de serem quem são.
O delegado que cuidou do caso, Geraldo Assed, da 72ª DP de Homicídios de São Gonçalo, disse à imprensa suspeitar que o crime tenha sido praticado por skinheads e motivado por intolerância. Pelas provas colhidas, disse o delegado à época, “tudo indica que foram eles” [os acusados]. Exame de DNA nas amostras de sangue colhidas no carro de um dos acusados, o brigadista Eric Boa Hora Bedruim, apresentou compatibilidade com o material cedido pela mãe de Alexandre, Angélica Ivo. De um total de 15 amostras coletadas em diferentes pontos no veículo, 13 resultaram positivo.
Dois dias depois do crime, os suspeitos chegaram a cumprir prisão temporária e preventiva, acusados de praticar homicídio duplamente qualificado por motivo torpe. No entanto, trinta dias depois, foram soltos por habeas corpus por serem réus primários, possuírem residências fixas e pela insuficiência de provas para condená-los. O processo, comprometido por erros cometidos no início das investigações, arrasta-se até hoje.
Ao longo de todo esse tempo, em meio a dor do luto sem fim que a impunidade inflige, a mãe de Alexandre trava sua batalha por justiça, enquanto tenta implementar um projeto anti-homofobia em São Gonçalo, onde outros casos de crimes de ódio já aconteceram.
Às vésperas de se completarem cinco anos da perda abrupta do seu filho caçula, Angélica Ivo, 45 anos, mãe também de Paula, 21, falou com exclusividade ao portal ECO Brasília, por telefone. Na conversa, ela destaca a dificuldade de se tipificar crimes de ódio no país e o despreparo da polícia ao lidar com esses crimes. Também deixa uma mensagem para Wanderléa Barbosa, mãe do estudante Rafael Melo, de 14 anos, morto a pauladas e pedradas no último dia 13, em Cariacica (ES), crime que a família da vítima suspeita ter sido motivado também por homofobia.
Como a senhora avalia esses cinco anos de trajetória do processo criminal e em que situação ele se encontra hoje? 
Esses cinco anos todos para mim se tornaram perdidos, porque o inquérito do meu filho foi todo feito de forma errada. As informações foram colhidas de forma inadequada, os profissionais envolvidos, tanto Política Civil, Polícia Técnica, não tiveram o zelo necessário. Há cinco anos atrás eu não sabia que existiam crimes de ódio, esse tipo de crime, homofóbico, e nem sabia que os policiais tivessem de ter esse tipo de conhecimento. E um crime de ódio só é tipificado dessa maneira quando as pessoas têm essa cultura, quando esses agentes estão preparados. E, infelizmente, o corpo do meu filho foi encontrado na rua pelos policiais. A partir daí você acha que quem o encontrou vai ter o mínimo preparo para poder passar à frente, para a perícia e para seus superiores, o que ele viu, o que de fato a cena mostrou para eles. Quando, por exemplo, uma pessoa tem envolvimento com tráfico de drogas, os policiais já têm previamente o conhecimento do tipo de morte que aquele indivíduo pode vir a sofrer. Se eles acharem que a vítima era gay, ou se era um travesti, eles sempre diminuem o ser humano, a pessoa que sofreu aquele tipo de crime. Tentam desqualificar a vítima, que passa a não ser mais vítima. E isso não foi diferente como o meu filho. As pessoas que fizeram tudo o que fizeram com ele tinham conhecimento da área, então o sequestraram, torturaram, mataram e depois jogaram o corpo dele num local frequentado por usuários de drogas. Para dizerem o quê? Que ele poderia ter sido assassinado porque tinha ido comprar, ou levar ou usar drogas. Mas só que todas as informações estavam no corpo dele. Uma pessoa que é surrada até a morte não é por causa de drogas, não é um crime específico de um usuário de drogas, até porque ele não tinha nenhuma característica de usuário ou viciado em drogas. E depois nós ficamos sabendo o que antecedeu o crime, e as imagens de câmeras mostrando o meu filho tentando voltar para casa. Meu filho era uma criança, tinha uma estatura acima da de um adolescente de 14 anos, mas ele era uma criança. Então o policial encontra o corpo nessa situação que o colocaram e não sabe de que tipo de família é. Não sabe se a família vai correr atrás, não sabe se a família vai ter medo ou se esconder, ou não vai querer falar sobre o assunto porque envolve a questão da homofobia, se é gay ou se não é. E isso é o que menos importa. Até hoje, o que eu sempre falei para as pessoas – porque sempre me perguntam sobre a questão da sexualidade do meu filho – o que mais fala alto é a violência que ele sofreu. E é isso o que a gente vem buscando até hoje: mostrar que a homofobia não pega só as pessoas que vivem no contexto LGBT. Ela está perto de qualquer um, e chegou tão perto que matou meu filho. Quanto à sexualidade dele, eu não posso falar para ninguém aquilo que eu não ouvi do meu filho. Até porque a gente não teve nem tempo de ter essa conversa, se ele ia ter preferência por menina ou menino. Mas, se ele fosse gay ou não, ele nunca ia deixar de ser o “meu filho”.

O que ocorreu nesse processo, infelizmente, é que todas as informações necessárias para que ele se desenvolvesse corretamente estavam no corpo do meu filho e não foram coletadas devidamente. A gente não tem um instituto de análises forenses para esses tipos de crime. Pode ter para outros, mas para crimes relacionados à homofobia não tem, não se tem preparo. Foram várias as negligências e erros primários e grotescos no início do processo. E eu tenho provas disso. É tão absurdo que o próprio legista que fez o laudo cadavérico do meu filho se retifica no depoimento dele em juízo. Fala das questões das marcas que ele não colocou porque o investigador não passou as informações corretas para ele, então ele fez um laudo mais ou menos, artificial. Se eu soubesse disso, que o meu filho tinha sofrido esse tipo de crime e todas as informações estariam nele, eu não teria feito o sepultamento e teria exigido que fosse feita uma perícia de acordo com o que ele sofreu, do que ele morreu. Então, por mais que a gente tentasse consertar os erros iniciais da polícia… O corpo do meu filho chegou a ser exumado antes do período para tentar coletar novas informações, mas foi tudo feito de forma grotesca, a família não foi avisada, e eu pedi para estar lá naquele momento, e não fui atendida. Houve até corrupção policial no caso do meu filho, tanto que um indivíduo foi afastado por vender provas para dos jornais de São Gonçalo. As provas foram manuseadas, as imagens das câmeras sofreram alterações. Tudo isso prejudicou muito, sem contar o fato de que, no meio do processo, houve a morte da juíza do caso, Dra. Patrícia Acioli [assassinada em agosto de 2011 por investigar e reprimir o crime organizado no Rio de Janeiro]. Ela e o Ministério Público, detentor do processo, eram tão afinados que me fizeram acreditar que aqueles três indivíduos iam pagar pelo que eles teriam feito com o meu filho, que eles eram culpados. E hoje, esse mesmo Ministério Público já não tem mais essa certeza, porque é outro promotor, é outra juíza, eles estão vendo o processo de outra concepção. Então eu não sei se a minha luta vai ficar inacabada, vai ficar na impunidade, eu ainda não tenho essa resposta. Em junho nós recebemos um parecer do Ministério Público não favorável a nós, e agora a defensora pública que me assiste está preparando uma resposta para entregar nas próximas semanas.
E no nível pessoal, como tem sido esse período, entre a dor da perda e a luta pela justiça?  
Depois de quatro anos que eu não me dei para viver o luto do meu filho porque tive de buscar a justiça, correr atrás de informações, eu precisei, forçosamente, por problemas emocionais, parar e ficar o ano passado sem trabalhar. Há algum tempo eu já queria me envolver na área da assistência social, para tentar atuar mais no meu município, que é muito carente, especialmente nessa área. E agora, há um mês, eu consegui e estou trabalhando na Secretaria de Assistência Social de São Gonçalo. Pretendo colocar meu projeto de luta contra a homofobia dentro do meu município, que já teve muitos casos nesta questão. Ainda estou no início, em passo de formiguinha. Mas o secretariado, na parte de Assistência Social, demonstrou interesse. As pessoas gostam do que eu levo, acham necessário, mas não depende só de um. Para você implementar um projeto num município como São Gonçalo, que tem mais de um milhão de habitantes, é complicado mesmo, depende de uma infraestrutura. Mas só o fato de eu estar perto de pessoas que compartilham do mesmo pensamento que o meu já tem sido uma grande conquista. Não sei quanto tempo vai demorar, porque não depende só de mim.
ATO em frente ao Fórum de São Gonçalo pelo Movimento Alexandre (V)IVO (07/12/10)


A senhora tem encontrado mais acolhimento ou barreiras ao seu projeto?

O acolhimento tem se dado pelas pessoas que me conhecem e pelas que se sensibilizam com a minha história. Mas a gente sabe que, para implementar alguma coisa no poder público é difícil, porque às vezes tem a questão partidária, tem a questão da religião. Hoje, infelizmente, a política não está separada da religião e em São Gonçalo não é diferente. Mas, mesmo dentro dessa política, eu estou encontrando agora, quase cinco anos depois da morte do meu filho, pessoas com pensamento diferentes, mais renovados, com vontade de fazer também algo diferente na questão da homofobia. Mas a dificuldade existiu, muita. Foram cinco anos que eu não consegui fazer nada em São Gonçalo, não consegui apoio. Eu fui conseguir, primeiramente, em Brasília. Foi o primeiro lugar onde eu encontrei apoio e ajuda. Quando identificamos os erros no inquérito, a gente foi a Brasília, acionamos a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e eles montaram uma equipe da Ouvidoria para acompanhar e tentar viabilizar que as coisas acontecessem de forma mais ágil e, se possível, mais segura e correta.

O PLC 122/2006, que tinha por objetivo criminalizar a homofobia no país e que foi arquivado em janeiro após passar oito anos no Senado sem obter aprovação chegou a ser batizado como “Lei Alexandre Ivo”. Como a senhora avalia essa nominação e por que, na sua opinião, o projeto não foi aprovado? 
À época o Projeto de Lei da criminalização da homofobia estava em poder da então senadora Fátima Cleide [PT/RO]. Depois ela não foi reeleita e aí foi para as mãos da senadora Marta Suplicy [então PT/SP, hoje sem partido]. Só que, na mão da Marta, ela ficou negociando com a bancada evangélica e em nenhum momento me consultou para colocar o nome do meu filho no Projeto de Lei. Depois eu vim saber que foram os movimentos [de LGBT] que solicitaram isso, para mostrar que a homofobia atingia outras classes, para sensibilizar a Câmara. Só que não aconteceu. E, se acontecesse da forma como vinha sendo negociado, eu também nem queria que levasse o nome do meu filho. Porque queriam manter os discursos de ódio, e a gente sabe que a maioria desses crimes acontecem por motivação desses discursos. O projeto não foi aprovado porque a política no Brasil está sendo feita com a Bíblia debaixo do braço. O Estado laico não existe mais e a intolerância religiosa de alguns grupos deturpa a realidade e confunde o pensamento das pessoas.
Como é hoje o seu trabalho em prol dos direitos humanos e da causa LGBT? A senhora se considera uma ativista?

Eu não me considero uma ativista na íntegra. Tudo o que eu faço é um trabalho de formiguinha. A pessoa que mais me motivou foi o meu primo, Marco Duarte, que me abriu os caminhos para que eu tivesse acesso à corrente de amigos dele e consequentemente para que eu pudesse chegar no patamar onde cheguei. Eu considero a pessoa ativista aquela que tem um ideal e que luta por ele desde o início. Eu, infelizmente, cheguei nesse ativismo só tem cinco anos, e foi pela dor. Eu queria ter vindo de forma diferente, pelo amor. Mas também não vou desmerecer. As pessoas têm me requisitado, têm muito respeito por mim. Até porque da minha vida eu não tenho nada a esconder, não tenho receio de falar sobre o assunto, me engajo, me coloco, tanto que eu fui muito bem acolhida pelo público LGBT. A maioria dos contatos que recebo vem pela internet. Mas tem amigos de faculdade da minha filha, amigos de familiares meus também. E também porque tem um Centro de Cidadania em Niterói, que meu filho é patrono, dentro do programa Rio Sem Homofobia, e então também atuo por esse canal, por eles acharem que eu falo uma linguagem que todo mundo entende. O meu maior foco de atuação são os adolescentes, porque eles vivem no “mundo deles”. Acham que o perigo não existe, que nada de mal vai acontecer, têm medo de se revelar para os pais, para a família, e meu foco é falar que, se eles não encontrarem a segurança dentro de casa, não é na rua que eles vão encontrar. Que por mais que doloroso e sofrido que seja, tem que ser conversado, tem que ser falado para os pais. Por que a segurança deles primeiro é dentro de casa. Como é que eles vão conquistar o mundo se eles não conquistam o espaço deles em casa? Tem alguns pais também que chegam para falar, para perguntar como conversar com os filhos, qual o tipo de diálogo, e eu sempre falo que tem que ser o diálogo do coração. Se um respeita o outro, aos pouquinhos as coisas vão se encaixando, você vai sabendo lidar. Então é o amor que tem que falar mais alto. 

Considerando que são centenas os crimes de ódio contra a população LGBT que acontecem anualmente no Brasil, e a grande maioria não alcança repercussão na imprensa, a senhora acha que o fato de o Alexandre pertencer a uma família de classe média, branca, fez de alguma maneira o caso alcançar maior repercussão?

Eu acho que no meu caso não foi, mas sim porque eu tenho pessoas na família que militam há muito tempo, que contestam, que são politizadas. A pessoa que me ajudou foi meu primo, Marco Duarte, professor na UERJ, psicólogo, assistente social, hoje na luta em prol da saúde mental, ele é uma pessoa muito politizada. Então foi porque a gente tinha amigos que tomaram nossa dor para eles e, de alguma forma, quiseram nos ajudar. Mas a gente sabe que muitos não têm esses amigos, muitos casos a sociedade não faz questão de tomar conhecimento, especialmente se a vítima é de uma comunidade, ou se é negra, ou se é travesti. Essa é minha grande luta, tirar esse pré-conceito que as pessoas têm.

Momentos da vida do Alexandre (V)Ivo
Dentro desse processo doloroso, que já dura cinco anos, qual foi o maior aprendizado?

Você sempre acha que a sua perda é maior que a do outro. Até 21 de junho de 2010, eu achava que minha casa era uma fortaleza, que nada fosse acontecer com meus filhos ou com alguém da minha família. A gente acha que a violência nunca vai chegar na nossa casa. Que a gente vai assistir ao telejornal, vai ouvir a notícia, vai ver a violência, vai se sensibilizar com as pessoas que sofreram, mas aí você desliga a televisão e aquilo tudo passou, ficou para ontem. Isso comigo não. Quando você sofre, e tem que correr atrás, lutar por justiça, ou se fosse o caso, ou lutar para salvar a vida do meu filho, se tivesse dado tempo, você aprende com isso tudo é que se você não se calar, se você não se omitir, você pode salvar outras vidas, você pode dar o alerta. Então eu acho que o meu grande aprendizado tem sido esse. Às vezes eu vou lá embaixo, mas eu me lembro que tenho minha filha, minha família, e aí eu volto. Mas não é todo dia. Tem dias que é muito difícil. Nesse domingo então vai ser um dia complicado, eu já começo a sentir as coisas antes. Mas, enfim, vou passar por ele. Mais um ano, eu vou passar por esse dia 21.
No último dia 13 de junho, a morte de outro jovem pela homofobia ganhou repercussão. Ele se chamava Rafael Melo e, assim como o Alexandre, tinha 14 anos. Como a senhora recebe esse tipo de notícia, que reproduz com tanta similaridade o que a sua família passou? 

Quando eu soube eu até publiquei na rede social: como pode alguém maltratar um ser humano que a gente gera? Porque dói na alma da mãe. Dói na alma do pai e do irmão, mas dói mais na alma da mãe, porque a gente gera uma vida, a gente guarda ela, para depois vir outro e fazer essas maldades. Por quê? Esse porquê nunca vai ter resposta, a gente não entende.

O que a senhora diria para a mãe de Rafael, Wanderléa Barbosa, e para tantas outras mães que passaram por isso, e para aquelas que, infelizmente, venham ainda a passar?

É uma dor que não diminui com nada que falem para você, nada que argumentem. Todo mundo fala para mim: “ah, mas você tem uma filha”. Mas eu tinha “dois” filhos. A Paula, minha filha, ela tem o espaço dela, o lugar dela. É também o meu maior amor. Mas o lugar que era para ser de dois hoje é só de um. Isso é muito sofrimento, você fica lembrando, passando o filme na sua cabeça. Não tem palavras, não tem abraços, não tem flores, não tem nada que vá ocupar aquela ausência.

Se eu pudesse dizer algo para ela é que ela não desista nunca, que ela lute por justiça e que ela encontre forças, nisso tudo de triste que aconteceu – porque a dor dela é igual a minha, é na alma – para ela lutar para que outros casos não venham a acontecer. Infelizmente, a gente não têm esse poder. Mas uma pessoa replicando aquilo que a gente fala, aquilo que a gente acredita e deseja, já vai chegar e tocar outros corações. Cada uma pessoa que a gente consiga conquistar para que ela respeite o outro ser humano, respeita a sua condição social, sua raça, sua religião, sua orientação [afetiva-sexual], isso vai fazendo a transformação. Acho que isso já vai, de repente, acalentar o coração dela. A ferida não vai fechar nunca, mas, de certa forma, ela aos pouquinhos vai conseguir dar continuidade, sentir vontade de viver e de fazer outras coisas.
Qual a lembrança mais forte que a senhora tem do seu filho?

Às vezes eu acordo e parece até que eu estou sentindo a pele dele próxima a minha. Nós sempre saímos praticamente no mesmo horário pela manhã, eu para o trabalho e ele e a Paula para a escola. E ele sempre acordou muito cedo, era o primeiro a acordar. Tomava banho, fazia o lanche dele. Ele era muito independente. E aí ele ia me acordar. Encostava a bochecha dele na minha, e ia subindo e descendo, fazendo carinho. Dizia: “mãe, tá na hora, não dá pra dormir mais um pouquinho não!”. E falava que me amava. Ele era meu bibelô mesmo. Era carinhoso com todo mundo. Ele gostava muito de beijar, de abraçar, de dar cheiro. Às vezes parece que eu sinto a pele dele, e isso é o que mais me dá saudade.

Reportagem extraída de: http://www.ecobrasilia.com.br/2015/06/22/cinco-anos-sem-alexandre-ivo-cinco-anos-de-impunidade/